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Bye bye clínica ordinária, bom-dia singularidade

Durante muito tempo resisti ao conceito de psicose ordinária, pois sempre me considerei um expert em diagnósticos e porque era ordinário, para mim, ordinário no sentido de banal, fazer diagnóstico de psicose ali onde, para outros, isso era algo extraordinário. Evidentemente, passava meu tempo a me enganar… O que não impede que, considerando sua frequência, a constatação da ausência de estrutura neurótica ou perversa seja um fato absolutamente ordinário.

Assim, durante anos, fiz um uso provocador do diagnóstico de psicose, querendo assim impressionar meus interlocutores. Eu queria, certamente, não apenas surpreender, pegar no contrapé, mas desestabilizar o outro, provocando-o, sobretudo. Pois a formação não lacaniana ou o uso desse diagnóstico no discurso corrente abandona-o às suas assustadoras ressonâncias de loucura. Ora, para nós, não apenas a estrutura psicótica não é loucura como também há neuroses desconcertantes: fobias incompreensíveis, obsessões invasivas, histerias enlouquecidas.

Ora, se não queremos meter os pés pelas mãos ou apavorar nosso interlocutor, o acréscimo do adjetivo “ordinário” efetuado por Miller tem o mérito de atenuar o termo sulfuroso de psicose e, com isso, desdramatizar seu uso o mais amplamente possível junto a interlocutores menos formados. Trata-se da acepção do termo “ordinário” no sentido de moderado: a psicose moderada, aquela que não perturba demasiadamente o laço social, em particular a ordem pública.

Mas se considerarmos que a presença de um delírio ou de uma alucinação permite falar de psicose extraordinária, iremos, então, nos dar conta de que a presença desses sintomas – sintomas no sentido psiquiátrico do termo – é frequente. É frequente a partir do momento em que consideramos delírio uma certeza não dialetizável. É frequente a partir do momento em que nos atentamos para a presença de alucinações. Pois essas alucinações podem ser discretas, discretas a ponto de serem às vezes somente intrapsíquicas, e esse é um termo que existe na própria clínica psiquiátrica, ou seja, a presença, por exemplo, de um pensamento ou mesmo de uma palavra ou imagem vivida pelo sujeito como sendo-lhe estrangeira, mas presente “em sua cabeça” como intrusiva ou simplesmente imposta. A essas duas condições podemos frequentemente atribuir um diagnóstico de psicose extraordinária. Trata-se, portanto, nesses casos, dos signos discretos de uma psicose extraordinária chamada na nosografia clássica paranoia ou psicose delirante crônica, quando não há alucinações, ou psicose alucinatória crônica, quando há alucinação. Nesses casos, podemos falar, com Jacques-Alain Miller, de “Doenças do Outro”, ou seja, que o que está em questão é uma perturbação no lugar onde se articula a palavra para um sujeito, o lugar do Outro, essencialmente uma perturbação da relação do enunciado da enunciação, segundo a expressão de Jacques-Alain Miller. Considerando a frequência desses casos discretos na clínica, podemos dizer, então, que a psicose extraordinária é, de fato, ordinária.

Por outro lado, há uma clínica, aquela desses outros casos que não são estruturados como psicose crônica nem como neurose ou perversão, ainda que possam, às vezes, ter semelhanças com elas devido a certos traços que aparecem em primeiro plano. Em certas nosografias falava-se, então, de esquizofrenias frias, de psicoses brancas, pseudoneuroses, estados-limite ou de estruturas “como se” [as-if], etc. Entra-se aí na terra de ninguém [no man’s land] de signos discretos muito diferentes que compõem numerosos quadros infinitamente variados, modulados, atenuados, variações reluzentes do enlaçamento dos registros do real, do simbólico e do imaginário, onde o termo psicose ordinária toma todo seu sentido. Esses quadros, em que a relação ao Outro parece às vezes tão frouxa que o corpo fica sem consistência, só se deixam descrever caso a caso. Podemos falar, nesses casos, com Jacques-Alain Miller, de “doenças da mentalidade”. Mas esses quadros são fenologicamente tão únicos que poderíamos dizer que essas psicoses ordinárias são verdadeiramente únicas, cada uma em seu gênero: extraordinárias. Esses casos só podem ser abordados no mais além da clínica, clínica que se revela finalmente bem ordinária em relação aos encantos infinitos da singularidade.

 

Tradução: Yolanda Vilela